quarta-feira, 28 de junho de 2017

SGP Intercâmbio: Making of Street Fighter II (Parte 1 de 2)

Aproveitando o embalo da última postagem com mais uma matéria de tradução sobre artigos do passado, desta vez investigamos a origem do jogo de luta mais inspirador e famoso de todos os tempos: Street Fighter II. Ele é conhecido por jogadores hardcore, casuais e até mesmo por pessoas que não jogam videogame - ou os que até mesmo detestam este tipo de entretenimento. Quem nunca ouviu uma criança (ou um adulto de hoje) gritar "Hadouken?!"

Se jogos de luta tivessem um livro dedicado a eles, esta seria a capa mais significativa de todas.
Conheça mais traduções conferindo as postagens do SGP Intercâmbio clicando aqui, ou leia mais artigos como esse (em inglês) no local original desta matéria a seguir, no site do Shumplations.com

Antes de tudo é preciso esclarecer que esta entrevista é de um japonês, então os nomes mencionados são os orientais. O boxeador Balrog vira Mike Bison, o ninja espanhol Vega vira Balrog e o chefão ditador da Shadaloo ao invés de M. Bison é na verdade Vega. 

Uma imagem que vale mais que mil palavras sobre este assunto.
Voltemos para o início dos anos 90 com a primeira parte da entrevista:

INTRODUÇÃO DO SHMUPLATIONS

Ainda que a série Street Fighter seja uma das mais bem documentadas em termos de suas origens e desenvolvimento, esta entrevista de 1991 é uma das mais antigas e com os registros mais interessantes disponíveis sobre a criação de um jogo. Nishitani narra o desenvolvimento a partir de suas raízes em Final Fight até os bugs e mudanças de última hora, destacando ideias interessantes que foram abandonadas no decorrer do caminho (algumas foram retomadas em jogos posteriores).

Street Fighter II – Entrevista de 1991 com o desenvolvedor
com o diretor e designer Akira Nishitani

O Making of de Street Fighter II

O diretor e designer Akira Nishitani.
Voltarei ao passado por um momento para falar sobre o desenvolvimento de Final Fight. Este jogo era na verdade para tornar-se o Street Fighter II. Eu estive trabalhando com muito afinco nos planos de design para outro jogo, mas a Capcom me disse que precisávamos criar algo com menos memória (o preço da ROM tinha acabado de subir, eles disseram) e ordenaram-me a fazer um típico jogo 2D de visão lateral. Foi assim que eu iniciei Final Fight e uma vez que o nosso jogo Street Fighter (1987) já tinha um nome conhecido, eu pensei em usar aquele título.

Birdie em SF1: a partir da série Alpha, o inglês passou a utilizar os mais avançados recursos de bronzeamento...
Na verdade, eu não estava tão entusiasmado sobre este projeto, e assim, como vocês podem esperar, quando nós o exibimos na AM Show, ele foi criticado sem rodeios. Aquele protótipo era o "Street Fighter 89". Todos o conhecem agora como Final Fight, o nome que eventualmente estabelecemos.

Abigail de Final Fight (1989) pode voltar a apanhar na série Street Fighter em sua Season 2...
Depois de algum tempo passado, eu estava descansando e não fazia muitas coisas, já que havia concluído Final Fight. Naquele tempo a gerência me contatou e falou comigo sobre criar uma sequência para o Street Fighter original. Eu tinha todas estas ideias: um gabinete de dois monitores no qual jogadores se enfrentariam cara-a-cara? Ou não, ainda melhor, uma série de gabinetes interligados, uma battle royale de 10 jogadores! Para os cenários, que tal um deserto a beira de estrada? Ou um topo da torre, no qual você cairia para a morte se pisasse fora do ringue? Talvez um cenário debaixo d'água que você tivesse um suplemento de ar limitado? Ou uma arena deathmatch onde ambos os lutadores teriam seus braços amarrados!....... mas o que a gerência queria era uma sequência direta de Street Fighter I. Ele não me queriam alterando os elementos básicos do jogo. "Pfh, adultos. Tudo o que importa para eles é obter lucro... espere, eu não sou um adulto também?"

Nishitani viu sua ideia de arcades "linkados" tornar-se realidade anos depois com Ultra Street Fighter IV. 
Por certo tempo eu fiquei bem cabisbaixo sobre isso, mas eventualmente a indignação tomou conta de mim e fiquei mais entusiasmado: "Tá certo! Se aqueles são os limites, irei mostrá-los o que 100% dos esforços de Nishitani são capazes!"

Bem, agora que eu havia decidido seguir em frente, percebi que mal tinha jogado o primeiro Street Fighter apesar de tudo (talvez uma ou duas vezes em um game center). Entretanto, Final Fight eu tinha jogado bastante. Já que tinha muita experiência com Final Fight, venci um torneio interno da Capcom de Street Fighter, na realidade. E então me ocorreu: por que não joguei Street Fighter I em um game center? Porque ele não foi um jogo muito bom. "É isso! Eu farei um jogo tão bom que fará o Street Fighter original parecer uma imitação barata! Farei um BOM jogo que satisfaça a MIM!" Com este juramento em meu coração, comecei a trabalhar em Street Fighter II.

O primeiro mapa inicial para Street Fighter II. O texto à direita explica que ele seria apresentado na primavera de 1988, na primeira reunião geral do projeto. O jogo se passaria em uma ilha abandonada que tinha sido comprada para hospedar um grande evento apresentando lutadores, todos de diferentes estilos.

Design de Personagens

Desde o início mais remoto, eu soube que queria 8 lutadores jogáveis e 4 chefes. Eu achava que este era um padrão adequado. Os personagens que decidi primeiro eram: Ryu e Ken, um praticante de luta livre (Zangief), uma fera (Blanka) e um ninja (Balrog). Para os outros, eu decidi antes suas nacionalidades e usei isso para expandir a minha concepção sobre eles. Os nomes atuais desses personagens foram decididos muito depois. Durante o desenvolvimento, aqui está como eles eram chamados: 

Ryu = Ryu
Ken = Ken
E. Honda = E. Suzuki
Blanka = Fera
Guile = Soldado
Chun Li = Garota Chinesa
Zangief = Vodka Gorbovsky
Dhalsim = Indo
M. Bison = Tyson
Balrog = Ninja Espanhol
Sagat = Sagat
Vega = Washizaki

O elenco de Street Fighter II é inconfundível, mas com tanta excentricidade é impossível de ser esquecido.
Nós decidimos usar uma memória de cartuchos até então inédita com capacidade de 48MB para Street Fighter II. A intenção era traçar um divisor de águas entre jogos anteriores e este. Significava assim, é claro, que ele seria caro e que agora teríamos que vender uma porção de cópias. Isso colocou uma enorme pressão em meus ombros, mas não havia tempo para se preocupar com tais coisas em cima da hora. Agora que tínhamos começado, havia apenas uma única direção: a frente.

Os designers de personagens então começaram com rascunhos básicos de cada lutador. Estes tornaram-se os designs básicos que usamos. A seguir, decidimos sobre os movimentos de cada um deles. Como eles andariam, suas animações de dano, animações de pulo, coisas desse tipo. Neste ponto, nós também precisávamos criar os golpes e as técnicas especiais de cada lutador; com muito cuidado e imensa coragem, determinamos os seus ataques. Você tinha que levá-los a sério, pois a partir desse ponto, metade do carisma do jogo seria determinado.

Finalmente e verdadeiramente chegou a hora de colocar os personagens juntos. Primeiro, nós animamos suas movimentações e as colocamos em uma tela de gabinete para que todos vissem como eles aparentavam ser de verdade: o momento mais aguardado. Era a primeira vez que a equipe toda estava reunida cercando um monitor. Este é o momento que a maioria dos desenhistas de personagens vão as lágrimas., "Ah... minha criação finalmente apareceu na tela."

Neste ponto os lutadores podiam agora ser movimentados com o joystick. Entretanto, é apenas o movimento: não há hitboxes (*) e o peso/velocidade/ângulo de seus pulos é muito diferente de sua versão final. Foi aqui que decidimos limitar o número de Hadoukens na tela para dois; antes disso, não haviam limites e era realmente engraçado atirar hadouken após hadouken. Nós brincamos com isso, ao ter três hadoukens de diferentes velocidades (soco fraco, médio e forte) todas na tela de uma só vez.

O estudo das hitboxes (e hurtboxes) é um caso a parte... ainda falarei disso aqui no blog.
(* - hitboxes são as áreas de acerto dos golpes em seus adversários: como exemplo, se uma rasteira deve atingir o oponente, logo a hitbox deve cercar a perna do usuário do golpe, fazendo que haja um conflito de espaço entre o atacante e o defensor. Princípio básico para jogos de luta)

Estágios de fundo iniciais. O texto abaixo diz que há obstáculos de ambiente, como projéteis soprados pelo vento os quais você teria que desviar ou a água que você jogaria no seu oponente, o que seria influenciador e parte da luta em si. As estátuas Kanon na imagem à esquerda também arremessariam, de vez em quando, coisas em você.

Enquanto estávamos apressados, o tempo estava passando, até que os dias mais temidos finalmente chegaram: a data de entrega dos personagens! E enquanto ficávamos mais próximos dessa deadline, as coisas ficavam duras para os designers de lutadores. O sono em si tinha que ser cuidadosamente racionado com o objetivo de concluir seus personagens. Além do mais, a quantidade de memória que pareceu ser enorme no começo tinha agora sido quase que completamente utilizada! "Hum... não há mais memória suficiente." Bem... então temos que cortar as animações de introdução dos personagens! (este foi o ponto que decidimos retirar - apenas no Vega é possível ver um resquício do que tínhamos feito). Claro que esta era a parte fácil. Uma feroz bagunça sobre memória tomou conta ali: alguém removeria um sprite** de seu lutador e logo na mesma hora, outro designer viria para reivindicar a memória disponível.

(** - sprites são os desenhos utilizados para a criação de uma animação em 2D, são também chamados de quadros de animação e servem para dar vida aos movimentos dos personagens de jogos.)

Houve outros numerosos desafios, mas humanos de alguma forma sempre dão um jeito. E depois desta fase, as coisas estabilizaram-se por um tempo.


Balanceando o jogo

Aqui está o momento que o trabalho de planejamento e o design do jogo ficam atarefados. Nós precisamos imaginar o sistema geral de jogo como se fossem algorítimos de inteligência artificial (IA). Os jogos de luta mais antigos não possuem controles muito bons e a IA do computador também era bem ruim. Desta forma, decidimos implementar o jeito que a IA do oponente se moveria e agiria como nosso ponto de partida para balancear o jogo.

Arte conceitual para Zangief, também conhecido como "Vodka Gorbavsky". O texto à esquerda diz que ele "odeia comunismo" e "tornou-se um lutador de rua por dinheiro, que é também é o porquê dele lutar neste torneio." À direita, diz que ele foi excluído de uma liga profissional de luta livre por ignorar as regras e ter deixando todos os seus oponentes incapazes de lutar permanentemente. Ele agora vive em um circuito de wrestling do submundo.

Então eu tomei uma decisão crucial. "Em Street Fighter II, seus oponentes também são personagens controláveis por jogadores. Não seria certo se os lutadores tivessem um moveset diferente de quando o computador os controlasse. Tudo bem, aqui vamos nós! Hora de desenvolver um algorítimo de IA mais flexível!"

Eu quis criar um sistema que era diferente do que tínhamos trazido antes. Agora que o tempo passou, eu posso finalmente admitir isso: foi uma aposta muito grande, a aposta de minha vida. Meus chefes e os programadores estavam todos me tranquilizando dizendo "está OK, não se preocupe com isso, funcionará, vai dar certo" mas a verdade é que eu não tinha muita confiança no que estava fazendo, e para mim, eu pensava "dei a este sistema uma chance de 50/50 de funcionar." Mas, de vez em quando, como um game designer, você precisa ter a coragem para arriscar.

Olhando para trás, não posso dizer que tenha tido 100% de sucesso, mas isso funcionou bem - graças aos céus.

O próprio lutador passa por diversos testes durante a produção de um game. Ryu está aprovado!
Então em uma certa data, nós tínhamos nosso tão aguardado primeiro teste local. Para um designer de jogos, a noite anterior daquela é uma mistura de esperança com ansiedade (ainda que na verdade há muito trabalho a ser feito, você dificilmente tinha tempo de pensar). Você não tira nenhum cochilo nesta noite. Será que haverá clientes? Qual a faixa etária deles? Quanto ele irá render? Em grande parte do tempo, porém, suas expectativas são traídas. O inesperado ocorrerá e coisas não sairão como você planejou.

Street Fighter II não era diferente neste aspecto. A dificuldade estabelecida tornou-se mal ajustada, tanto que jogadores estavam jogando por muito tempo com um único crédito. Os controles também eram muito complicados e jogadores não pegavam o jeito. O mais problemático foi a tempestade de bugs. A tela congelava... lutadores de repente voavam de uma área para outra... o oponente da CPU para de se mover completamente... e muito mais. A cada vez que aparecia um erro, tínhamos que investigá-lo e trocar as ROMs para fazer esta correções. Tivemos muitos testes locais e investimos uma tonelada de tempo jogando, determinados a conseguir o balanço ideal do jogo. Mas nada no mundo é fácil mesmo. Em minha imaginação, eu trabalharia no que pensava ser a solução para os problemas, mas assim que eu sentava para fazer isso, diversos problemas surgiam com minhas ações.

(Mesmo tanto tempo depois do lançamento, Desk encontra trabalho a ser feito no vídeo abaixo)



Considere por um momento: para cada lutador, há 10 oponentes possíveis. Quando você pensa no número de diferentes combinações de ataques, você pode ver que há um número astronômico de coisas para serem testadas. Mais que isso, não estamos falando apenas de simples socos e chutes, mas de combos complexos. Você conserta uma coisa e outra para de funcionar... então muitas inconsistências continuam a surgir.

No fim das contas, tudo se resume de forma obstinada em testar o jogo mais e mais, porém aí é que mora o problema. Quanto mais você joga o seu próprio game, mais familiar ele fica pra você e estranhamente, você perde completamente sua perspectiva sobre o que é entediante e o que é interessante, o que é difícil e o que é fácil (eu acredito que isto é complexo de ser entendido, a menos que se esteja na posição de um criador de algo). Quando você tem um estranho sentado e jogando seu game pela primeira vez, é geralmente chocante (e preocupante) o quão as coisas que você espera tem um efeito completamente diferente naquele jogador. Até o prazo de entrega do jogo, eu ainda estive arrastando o pessoal da Capcom que não tinha jogado o game ainda, sentando-os e forçando-os a jogar.

Arte conceitual para Balrog (Vega). O texto diz: "Acima: Balrog nasceu do conceito de um ninja + matador (toureiro). À esquerda: nossa imagem original para ele com um cavaleiro das Cruzadas, algo que foi abandonado em deferência as sensibilidades de religiosos do ocidente. 

A única coisa com a qual lutamos até o final da produção foi na IA de oponentes controlados pela CPU. De início, meu plano para a IA era que esta fosse capaz de fazer qualquer coisa e todas as coisas, fazendo com que cada personagem fosse programado com comportamentos e características especiais. Mas neste ponto eu tinha caído em minha própria armadilha: nós demos a todos os lutadores tantos ataques e golpes diferentes que não houve forma da IA do computador responder adequadamente a todas elas.

A dancinha de Dhalsim é algo de díficil reação tanto para humanos quanto para as CPUs.
Tivemos as maiores dificuldades quando o jogador usava Dhalsim. Realmente trabalhamos duro nele, mas, no fim, suas habilidades eram tão diferentes de outros personagens que não pudemos programar a IA para dar conta de tudo. Isso levou a uma série de golpes apelativos que você poderia realizar com Dhalsim contra o computador.
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Decidi separar esta entrevista em duas partes para que a leitura não fosse tão extensa. A próxima parte inclui ideias abandonadas, os bugs de última hora e o pós-lançamento do jogo. 

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Fui!

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